Perfil de DK southern

Passar pela história, sem marcar a vida de alguém, sua vida terá sido vazia. Passar pela vida, sem se quer ter marcado a trajetória de alguém, a sua própria trajetória não terá referências. Construir a sua trajetória através das referências de alguém, sua jornada será descartável. Descartar as referências de outro fará com que sua caminhada seja construída sem uma base relevante.

O que restou da escuridão - Capítulo 4 - Thiago, 23 de Junho de 1995

terça-feira, 7 de julho de 2009 às 10:00
- Eu preciso falar com você – Thiago estava nervoso.
- É necessário que seja agora?
- Acredito que sim.
- Não gostei do tom de voz. Continue – Jane não gostaria do final da conversa.
- Julguei ser eu, no mundo inteiro, quem mais merecesse o amor, julguei errado. Já tentei descrever a beleza da dor, e não a encontro. A dor é vil. Fui feito para amar desesperadamente, posso, até mesmo dizer, fatalmente, mas não fui feito para ser amado, fui, sim, para ser abandonado. Fui usado, de todas as formas cruéis, que uma pessoa pode ser, não me culparei por minha estúpida dor, apesar de ser o único culpado.
Sou intenso em demasia, apaixono-me facilmente, em todas às vezes, o meu cálido e frágil coração é partido, sem dó e nem um pouco de piedade.
Imaginam-me dormindo no berço da serenidade, cercado pela paz de espírito e envolvido pela plenitude dos pensamentos que envolvem a carne, torpe engano. Sou humano, sou amante, não sou amado, sou apenas mais um ser errante, ando sempre calado. A minha exótica máscara, de um ser completamente desinibido, é falsa.
Já sofri por complexas desventuras do meu insólito destino. Abater-me? Jamais! Sou forte porque tenho que ser, sou frágil porque essa é a minha verdade.
Tento descrever, nos mínimos detalhes, toda a beleza que pode ser encontrada em uma paixão, jamais conseguirei fazer, pois, sei que é impossível encontrar beleza e perfeição, onde não há.
Possuo um grande receio de revelar-me, de tal forma, para um mundo frio. Ainda não ensinaram-me a voar, e eu já nem sei se desejo aprender, a queda poderá ser de muito alto, os ferimentos, incuráveis.
Jamais direi que estou pronto para o amor, estou pronto para amar, mas para o amor, não. Sofro ao dizer que, na última vez que perdi o controle, de sentimentos antes controláveis, pensei em matar, pensei em morrer. Agora vejo o quanto fui tolo. A vida é uma ótima conselheira, nem sempre uma boa professora, mas uma ótima conselheira.
- Acho que é necessário alertar os que vivem, para que tomem cuidado com as “cobras” que rastejam sob as lindas margaridas, muitas vezes o belo, esconde o perigoso, e as conseqüências, podem ser um tanto desagradáveis – Jane previa o rumo da conversa.
- Jamais, eu repito, jamais perdoarei quem tenha me ferido. Bebo cálices cálidos, de puro veneno amargo, que me obrigaram a beber. Não reclamo, não me entendam mal, a vida não ensina nada, o que nos ensina, são as atitudes que tomamos, ao longo de nossas pobres vidas.
Aprendi cedo demais que, não existe mal caráter, existem pessoas com e pessoas sem. As que não possuem, são o verdadeiro perigo sob as margaridas.
- Esperei exaustivamente que você aparecesse ao pé da escada, enquanto eu fumava um cigarro, a única coisa que eu podia fazer, era esperar. Nunca esperaram por mim. Recebi sorrisos e gentilezas. Entristeço-me, quando entendo, o que eu não gostaria de entender. Fisicamente, fui contigo, espiritualmente, continuei esperando ao pé da escada – Jane parecia cada vez mais nervosa.
- Torno-me frio, igualo-me ao mundo, envergonho-me por isso. Mas, se eu tiver que ser frio, frio serei, e jamais me arrependerei de tal coisa. Atitude vulgar.
Sempre pedi licença para entrar. Quando “entravam em mim”, faziam arrombando, e assim, meu coração calejou-se, sua função, agora, é somente, e tão somente, manter as minhas fúteis atividades vitais.
Descreverei minhas próprias torturas, as que tanto me fizeram sofrer, as que me fizeram chorar em público, gritar a plenos pulmões sem que ninguém ouvisse, as que me destruíram por inteiro. Ainda hoje, recolho algum pedaço esquecido em algum canto empoeirado, e com isso, sofro mais uma vez. E o faço, porque escolhi fazer. Certamente me arrependerei, e sei disso, mas faço, para aprender que o mundo não vai girar, do jeito que eu quero que ele gire, então, posso desistir de querer que as coisas sejam do jeito que eu quero.
Sabemos que o Bem, no final, sempre vence o Mal, mas isso acontece somente no final. E alguém sabe onde se esconde o fim? Posso afirmar então, que o Mal, em sua completa inferioridade, ainda assim, consegue ser superior ao Bem, que se dobra por bondade ingênua. Os dois lados, um dia, aprenderão a equilibrar os dois lados da balança. Isso me apavora – Thiago já não sabia mais o que pensar.
- Seremos falsos, como certas “cobras”? Serão as “cobras” seres bons, como os anjos que tocam violinos, até que a água toque seus pés? Seremos seres de “duas caras”? Seremos responsáveis pelas nossas atitudes desprezíveis? Ou será que o ambiente, em que estaremos encenando nossas tristes vidas, será o cruel responsável por atitudes banais de pura maldade?
- Eu plantarei o meu jardim, e plantarei o de quem quiser que eu plante. Regarei as flores, chamarei os passarinhos, soprarei as nuvens para bem longe e pedirei ao Sol, que ilumine todo nosso trágico caminho, digo trágico, porque aprendi, que a dor física não pode ser evitada, mas sou eu quem escolhe sofrer, ou não.
- Cansei! Estou cansada das cruéis “cobras” rastejando ao redor de meus castos pés, cansei de ouvi-las dizerem maus presságios ao meu ouvido, há muito maculado. No entanto, sei que sou a única responsável por ouvir as tais “cobras”, e por deixá-las rastejar no chão, onde piso. Eu pagarei um preço muito alto por isso. Essa dívida me levará a falência; recuperação, não terei. Mas começo a minha jornada, por este soturno caminho, com quatro pedras nas mãos. E que me aguardem as “cobras”, seus pescoços servirão de alvo para os meus destemidos e determinados pés.
Existem no mundo, dois tipos de pessoas. As que querem morrer; e as que desejam matar.
As que querem morrer serão responsáveis pelo seu mórbido destino. Foram essas que fizeram o que foi necessário fazer, para alcançar posições superiores. Merecerão uma morte lenta e dolorida. Nem sempre me refiro à simples morte do corpo, porque essa considero libertação. Refiro-me à morte do que se acreditava.
As que querem matar possuem uma sede pelo saber, pelo amar, pelo respeitar, e mantém a relação com outros seres humanos, ao invés de apunhalarem pelas costas. Esses sobem juntos, e afirmo que serão imortalizados.
Ídolos, eu tenho muitos, mas são poucos que eu admito ser, e os que matam, são.
Sofrer é o destino de todos os que pisam o solo desse planeta, os que matam, vivem no sofrimento, assim desejaram, porque são sensíveis, e a dor de todo o mundo os afeta. São seres superiores por natureza e não podem mudar isso. Por mais que tentem fugir, os sinais estarão sempre ao redor.
Os que querem morrer, também sofrem, mas esses são completamente indiferentes ao que acontece ao seu redor. Esses, pobres seres, não possuem amizades sinceras, porque suas “pequenas personalidades” não os permitem ter: ombros para chorar e ouvidos para ouvi-los. Triste destino, e digo triste, no pior dos sentidos, porque partilho da idéia que a melancolia, é infinitamente mais bela, do que a falsa felicidade. Afinal, não somos palhaços, para que tenhamos sempre um sorriso estampado em nossos rostos. Até mesmo o Palhaço, depois de retirar sua maquiagem, torna-se também, somente mais um ser de carne e osso, triste, em meio a uma multidão, onde não se sabe quem são as margaridas, e quem são as “cobras” – Jane parecia saber o motivo da conversa.
- O mundo continua girando e nos lançando a novas situações, nem sempre agradáveis, mas sempre necessárias para o nosso aprendizado, e para que tornemos pessoas mais fortes, diante as desventuras, que ainda encontraremos em nossos caminhos.
- Muitas vezes, o nosso caminho, parecerá solitário, mas bastará olhar para os lados, para que vejamos os nossos verdadeiros companheiros, em nossa árdua trajetória. Você também poderá olhar para trás e ver as “cobras”, paradas no mesmo lugar, tentando se desenrolar umas das outras. Elas, pobres, não sabem caminhar de mãos dadas. Pisam umas nas outras e acabam enroladas por suas atitudes. Um dia, morrerão pelo próprio veneno.
- Eu odeio o bom gosto, eu detesto o bom senso. E para que servem os malditos bons modos? Para conviver em sociedade? Vale a pena? Acredito que não.
Não serei hipócrita em dizer que cordialidade não se faz necessária. Eu não aceito falsidade, mas aceito falsa cordialidade. Na sutil diferença, está o segredo para viver em sociedade, onde os olhos estão voltados para nossas fúteis vidas, de estar sempre na moda, de freqüentar as casas de shows do momento, e viver como um “boi banal” em meio a uma “boiada normal”.
Apavora-me o fato de estar cercado por uma multidão de pessoas e o meu espírito estar tão sozinho, sentindo-se abandonado em um canto qualquer.
Desejo, noite e dia, que o mundo pare, no exato momento que eu desejar, e que eu possa sair andando pelo universo. Sem bom gosto, sem bom senso e sem os malditos bons modos. Entorpeço-me em quimeras lânguidas. Desisto de tentar ser quem eu não sou, mas tentarei ser o melhor que puder – Thiago estava com um tom de voz de uma pessoa desequilibrada.
- Você fala dessa forma porque, a essa altura da vida, não acredita mais na falsa cordialidade – talvez Jane tivesse razão.
- Não desejo mais viver em sociedade, não em uma que me deprime.
Eu corro muito rápido para alcançar objetivos incomuns. Para os outros eu estarei correndo, somente, e tão somente, por correr. Banal engano. Todos nós podemos errar, mas não aceito que errem comigo. Sou egoísta, admito. Não existe uma Segunda vez, então, acerte na primeira.
- Não vou julgar você, os outros o farão. Nem sempre você vai encontrar no seu caminho, uma pessoa tão compreensiva, como eu. Tentarei ser egoísta também, não te dividirei com mais ninguém.
Engano-me facilmente, simplesmente porque quero acreditar no que os outros jamais acreditarão.
- Eu não vou mais fingir que as coisas continuam indo bem, não. Há muito tempo eu não sinto mais o que, supostamente, deveria sentir por você.
Foram tantas noites sem dormir. Naquelas noites, a única coisa que eu conseguia pensar, era em você, nos seus cabelos, no seu sorriso.
Eu te vejo mais como uma luz do que como ser humano. Eu quero alguém mais real, mais de verdade. Entende? Não posso mais mentir, dizer que não tenho necessidades. Não posso fingir que não existem os vazios para serem preenchidos.
- Porque isso agora? Mais uma vez você vai me abandonar. Eu vou ficar triste, vou pensar em morrer, e quando a dor passar, você vai querer voltar, e eu, sem pensar duas vezes, vou aceitar. Talvez porque eu saiba que, isso, é matar-me aos poucos, com pouca dor, mas muito sofrimento. É, talvez eu goste de sofrer – Jane parecia cansada de toda aquela situação.
- Eu sinto muito, mas acredito que essa será a última vez. Eu encontrei outra pessoa, e estou me encontrando com ela há dois meses. O chato nisso tudo, é que você conhece.
- Quem é?
- Isso não interessa.
- Quem é?!
- O Bruno.
- Como?
- Ele mesmo.
- Como você pôde? Isso é cruel demais, até mesmo para você.
- Eu não queria que você ficasse sabendo de uma forma ruim, então, resolvi esperar o momento certo.
- E há um momento certo para isso?
- Não sei o que dizer.
- Precisava ser com o Bruno? Não poderia ser com alguém mais distante de mim? Acho que não! Começo a pensar que, talvez, vocês tenham planejado tudo isso.
- Não, por favor, não. Eu jamais conseguiria dizer uma coisa dessas de caso pensado. Seria maldade, eu jamais conseguiria ser mal com você, não com você.
- Eu sinto muito te deixar com remorso, mas isso foi a pior coisa que já fizeram para mim. Eu não acredito que o Bruno foi capaz de algo tão baixo.
Devo admitir que ele se superou, mas eu jamais poderia esperar isso de você. Como tudo isso aconteceu?
- Eu prefiro não dizer.
- Ah, você vai dizer.
- Não, não vou.
- É isso então? É assim que acaba?
- Acho que sim. Não torne as coisas mais difíceis para mim.
- Ah, desculpe estar deixando você com remorso, não foi minha intenção. É muita frieza da sua parte falar uma coisa dessas.
- Por favor.
- Por favor? Por favor, digo eu.
- Eu vou embora.
- Espere, Thiago.
- Eu não desejo esticar essa conversa.
- Posso te pedir uma última coisa?
- Sim.
- Abraça-me?
- Claro.
- Mais forte. Mais forte. Mais, mais, mais...
- Chega, Jane! Eu preciso ir.
- Volte.