Perfil de DK southern

Passar pela história, sem marcar a vida de alguém, sua vida terá sido vazia. Passar pela vida, sem se quer ter marcado a trajetória de alguém, a sua própria trajetória não terá referências. Construir a sua trajetória através das referências de alguém, sua jornada será descartável. Descartar as referências de outro fará com que sua caminhada seja construída sem uma base relevante.

O que restou da escuridão - Capítulo 9 - Ao que restou da escuridão, 16 de Outubro de 1999

terça-feira, 11 de agosto de 2009 às 10:00
Devo concordar com os que acharam estranhas as minhas atitudes em relação a minha família. Quero deixar as coisas claras para os que tinham algum interesse na minha felicidade. Então, devo, primeiramente, privar-me de sentimentalismos pelos quais ninguém daria um centavo se quer.
A minha relação com o meu pai começou a desgastar-se quando o Bruno me disse que ele traía a minha mãe. Não sou antiquada ou retrógrada, mas sinceridade é necessária em qualquer época e em qualquer estilo de vida. Eu não quis julgar, minha intenção não era essa.
Na noite do dia 26 de Junho de 1995 o Bruno me chamou para seguirmos o nosso pai, pois bem, ele entrou em um hotel de baixo nível na Rua Lindolfo Collor, e, para a minha surpresa, não tinha uma mulher por companhia. Quando ele chegou em casa a noite eu o chamei para uma conversa. Disse a ele o que eu havia visto e pedi explicações. Ele disse que eu estava louca e deu um tapa no meu rosto. Daquele dia em diante eu não consegui mais olhar para a cara dele. Provocava-me náuseas o modo com o qual ele se comportava na frente dos seus amigos e de minha mãe.
Eu jamais poderei perdoá-lo. Se os outros soubessem das aventuras sexuais com os travestis podres dessa cidade imunda, asseguro que a reputação de tão respeitável senhor jamais seria recuperada. O pior de tudo isso é que o Bruno já sabia de tudo há muito mais tempo do que eu. Nunca consegui entender o controle psicológico que o meu pai tinha sobre o Bruno, sempre foi apenas uma marionete do patriarca Folkstore. Não consigo engolir esse tipo de coisa. Nunca me considerei uma pessoa passiva perante os obstáculos que as personalidades alheias me impuseram, para mim sempre foi fácil ultrapassar esse tipo de coisa, ou pelo menos pensava que era.
Quando contei à minha mãe as aventuras amorosas de meu pai, de início ela me pareceu não querer acreditar. Disse que talvez eu tivesse enxergado errado, que talvez eu tivesse visto coisa demais e que eu não deveria estar falando aquilo. Naquele momento eu percebi que minha mãe sabia de tudo, porém, não queria que meu irmão e eu ficássemos sabendo. Enquanto estava tudo escondido, para ela, estava tudo bem. Ela não pôde suportar o fato de seus filhos estarem sabendo da maior vergonha da família.
Eu perguntei a ela há quanto tempo ela sabia daquela situação e ela respondeu que sabia de tudo desde o dia em que conhecera o meu pai. Fiquei completamente sem palavras. Os meus avós obrigaram meu pai a se casar o mais rápido possível porque sabiam da condição do filho. Minha mãe foi a escolhida para salvar a família da vergonha. Ela realmente pensou que pudesse curar o marido e, por mais que tentasse, tudo seria inútil. Não havia cura porque não havia doença. Com o passar dos anos minha mãe foi se tornando fria e o meu pai gastava todo o seu dinheiro com os seus amantes. Inventaram um vício em jogo para que ninguém soubesse onde o dinheiro ia parar. Bruno, quando percebeu a farsa, começou a ajudar a cobrir as lacunas deixadas pelo meu pai. Eu jamais poderia supor algo daquele tipo. Minha mãe estava com os nervos à flor da pele pelo fato de ter que me contar todas aquelas coisas. Mas as surpresas não parariam por aí.
Eu quis saber como o Bruno tomou conhecimento de tudo aquilo. Ela disse que o Bruno sofria do mesmo distúrbio e que um dia ele estava levando um rapazinho para um hotel e viu o pai entrando com um travesti. Disse que precisou contar toda a história, assim como estava fazendo para mim.
Disse-me que não queria que o filho tivesse que se casar por conveniência, queria que ele fosse feliz, mas meu pai não estava querendo isso. Disse-me também que eu precisava aceitar a situação e que eu não tentasse mudar as coisas. As coisas são como são. E terminou assim o seu discurso: “as coisas são como são”.
Depois de tudo aquilo eu percebi que com o meu pai não haveria volta, mas eu consegui ver de outra forma tudo o que havia acontecido com o Bruno e o Thiago. Eu jamais conseguiria mudar o Thiago, então que ele fosse feliz com quem quisesse ser.
Eu peço desculpas para o meu irmão e para o seu namorado por não ter conseguido entender antes, mas agora as coisas estão mais claras e eu estou em paz e quero partir dessa forma. Que vocês sejam felizes do jeito que são. Eu, provavelmente, não os procurarei para desculpar-me, acho que não tenho mais espaço, mas parto em paz em relação a vocês.
Fabrício, a única coisa que eu te peço é que cuide do meu bem mais precioso. Você foi o melhor amigo que alguém poderia ter e eu sou muito grata a isso. Viva em paz. Eu sentirei muita saudade.

Jane Folkstore.