Perfil de DK southern

Passar pela história, sem marcar a vida de alguém, sua vida terá sido vazia. Passar pela vida, sem se quer ter marcado a trajetória de alguém, a sua própria trajetória não terá referências. Construir a sua trajetória através das referências de alguém, sua jornada será descartável. Descartar as referências de outro fará com que sua caminhada seja construída sem uma base relevante.

O que restou da escuridão - Capítulo 1 - Os dias

terça-feira, 16 de junho de 2009 às 10:00
Tudo começa com um simples filete de luz atrás da serra. Tudo parece estar normal. O sol está a caminho de fazer um novo dia. Nem belo, nem feio, apenas mais um dia. Se houver necessidade de chuva, provavelmente, o sol entenderá.
Bem, fato é que, a esta altura do relógio, o dia já está valendo. Todos sabem quais são as características de um dia, então vou falar do que nos interessa, na verdade não. Acho que não posso falar das coisas que simplesmente nos interessam, devo começar pelas coisas que dizem respeito às histórias que se seguirão. Talvez elas já tenham acontecido comigo em alguma falha do tempo. Ou talvez eu possa ter entrado em algum buraco de minhoca e tenha conseguido fugir dos acontecimentos que, aqui, serão contados.
Pode ser que uma dessas histórias tenha acontecido com você. Quem sabe? Talvez não tenha acontecido, mas de um jeito ou de outro, vai acabar acontecendo. É sempre bom estar preparado, ou pelo menos sentir-se assim.
O relógio está despertando. Você vai querer ficar mais dez minutos na cama, não o culpo, nem sempre é fácil abrir os olhos e encarar o sol.
Pode revirar-se um pouco mais em baixo do cobertor, quando for realmente necessário eu digo.
Pois bem, contar a história dos outros não deve ser caracterizada como uma tarefa comum, mas quando você viveu junto com os personagens, você já faz parte da tal história. Então vou fazer o seguinte: vou contar a história e vocês jamais saberão se eu estive presente, jamais saberão se sou um dos personagens e também não me encontrarão nas palavras de nenhum dos personagens que eu escolhi para contar essa história.
Acontece uma coisa estranha quando você percebe que tem o dever de passar para os outros, fatos que você conhece ou tomou conhecimento pelas histórias que já ouviu na rua. Você se torna o dono dos passos, da respiração, dos pensamentos. Mesmo que os personagens não sejam inventados, eles não serão completamente reais. Isso pode tornar a história, um tanto quanto, conflitante, principalmente para mim. Na maioria das vezes eu tentarei ser o mais cruel possível, afinal, eu pretendo transmitir uma realidade completamente paradoxal.
Eu queria ser a menina que chora sozinha no chão do banheiro após ter sido largada pelo namorado. Ela não possui a certeza de realmente amá-lo, mas ela fica feliz ao chorar, sente-se humana, capaz de sentir algo. Talvez se ela ainda namorasse com ele seria apenas um vegetal com seu cabelo verde e seu piercing no nariz. Talvez até fizesse uma tatuagem com o nome dele. Ela poderia fingir não estar arrependida de ter feito a tal tatuagem, talvez ela até dissesse que é para nunca esquecer do dia em que ela foi tola o suficiente para perder o controle dos próprios sentimentos. Talvez os outros acreditem, talvez não.
Eu poderia ser também aquele garoto pobre da periferia, cujo único objetivo é ser jogador de futebol. Ele sai da cama cedo, nem se dá o trabalho de escovar os dentes, abre a porta do barraco onde vive e desce o morro para encontrar os amigos, vai passar a manhã inteira jogando no campinho de chão batido. Talvez a mãe desse garoto saiba que ele não tenha chance. Talvez ela insista todos os dias para que ele estude mais. Talvez o pai dele tenha abandonado a esposa, deixando para trás os seis filhos. Quem sabe se a mãe dessa família já não pensou em abrir mão de tudo também? Talvez essa idéia já tenha passado pela cabeça dela. Pode até ser que o feijão e o arroz estejam acabando. Mas quem disse que ela perde o sorriso ao arrumar a casa pobre?
Acho que agora todos vocês podem entender melhor como é difícil tomar as rédeas da vida de uma pessoa. Quem dá a dosagem? Quem diz quando a gente está sendo cruel ou insano demais? Quem pode nos dar este termômetro?
Talvez seja esta a beleza de todas as histórias já contadas, o fato de não ter como saber qual será o destino de todos os nossos insanos pensamentos, de nossas vontades desvairadas. Talvez este seja o segredo. E talvez não haja beleza alguma no saber de tudo, em saber das coisas. Talvez não saber seja o almejado segredo.
Bem, acho que está na hora de sair da cama. Por mim você poderia ficar aí o quanto quisesse, eu realmente não me importo. Mas se você continuar na cama eu colocarei chuva nessa história. Então não me faça começar de um modo triste. Levante-se e abra a janela, deixe o sol entrar, arrume a cama. Quero ouvir em alto e bom som um enorme “bom dia” para as margaridas no jardim.
Tome seu café, leia as notícias do dia no jornal que está na porta da frente. Depois de tomar o café e saber das notícias do dia anterior, vá até a estante e escolha um livro, algo do seu interesse, talvez você dê sorte e escolha a minha história.
Sente no sofá e descubra.

2 comentários

  1. Ricky Luz Says:

    Bravo, um excelente in[icio. Descrições e intimismo na medida certa para um livro à altura de Deividi Koswoski. A beleza está no secreto, no não-óbvio e na surpresa dos pequenos detalhes. Isso me faz pensar.

  2. Ricky Luz Says:

    eu nao me canso de ler teus textos. eu acho que sou maniaco compulsivo.

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